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Tiãozinho, da Ponte Preta, pede “grito” de atletas contra o racismo

Leônidas da Silva, Djalma Santos, Didi, Manga, Jairzinho, Coutinho e claro, o Rei Pelé. Entre os maiores nomes da história de futebol brasileiro, os jogadores negros facilmente marcam presença. O problema é quando se olha além das quatro linhas. Dá para contar nos dedos quantos técnicos – e principalmente dirigentes – são negros. Prova disso é que nas duas principais divisões do esporte mais popular do Brasil, apenas um deles é presidente.

“Se a gente virar um pouco a lupa para outras atividades econômicas, culturais e acadêmicas, esse processo de invisibilidade é histórico. Tem a ver com nossa herança de mais de 350 anos de escravidão e de uma abolição incompleta, que não incorporou efetivamente o negro na sociedade brasileira”, analisa Sebastião Arcanjo, mandatário da Ponte Preta. “O futebol representa, do ponto de vista das direções ou dos espaços de tomadas de decisão nos clubes, essa distorção que perpassa todos os níveis da sociedade.

Não faltam exemplos que corroboram com as palavras do dirigente pontepretano. As séries A e B do Campeonato Brasileiro do ano passado acabaram com apenas três técnicos negros entre os 40 times de ambas as competições: Roger Machado no Bahia, Marcão no Fluminense e Hemerson Maria no Botafogo de Ribeirão Preto (SP) – portanto, 7,5% do total dos treinadoes. Número próximo ao constatado em 2018 pelo Instituto Ethos, que mede indicadores de responsabilidade social e empresarial. Segundo consulta feita com 117 das 500 maiores empresas do país, somente 6,3% dos cargos de gerência e 4,7% do quadro executivo eram ocupados por profissionais negros.

“Refletimos uma sociedade hierárquica, verticalizada, onde esses espaços [liderança] estão muito relacionados a questões econômicas, e quem tem lastro econômico no Brasil, em sua maioria, não são pessoas de origem negra ou descendentes de escravos”, resumiu.

Campanha 'Vidas Negas Importam', do clube Ponte Preta
No ultimo dia 2, o clube lançou o “Manifesto da Ponte Preta contra a discrimação e o racismo: não há mais espaço para o silêncio” – Divulgação/Ponte Preta/Direitos reservados

Tiãozinho, como é conhecido, comanda a Ponte desde novembro do ano passado. Trata-se do clube mais antigo do futebol brasileiro em atividade ininterrupta. Vice-presidente eleito no fim de 2017, assumiu o topo da hierarquia após a renúncia do então mandatário Armando Abdalla Júnior. Ex-vereador em Campinas (SP) e ex-deputado estadual, defende a Alvinegra – hoje na Série B do Brasileirão – como a primeira democracia racial do país. Além de ter acolhido o apelido “macaca” – dirigido a torcedores pontepretanos na década nos anos de 1930 – e a agremiação, que fará 120 anos em 11 de agosto, contou com negros e mulatos não só no primeiro elenco – Miguel “Migué” do Carmo -, como também na primeira diretoria, com Benedito Aranha.

“A Ponte tem a pluralidade étnico-racial na sua gênese. Era um time de garotos na linha do trem da antiga Fepasa [estatal paulista de transporte ferroviário de cargas e passageiros, extinta em 1998]. Essa linha do trem dividia o centro da periferia de Campinas e os fundadores [da Ponte] estavam do outro lado, então o clube já nasce na periferia. Acho que essa é a riqueza da Ponte Preta”, descreveu.

Sem silêncio

A pauta sobre discriminação voltou à tona após o assassinato do segurança negro George Floyd por um policial branco, em Minneapolis (Estados Unidos), no último dia 25, que deu origem a protestos contra a violência racial no país e no mundo. No Brasil as manifestações também tomaram conta das ruas. Neste fim de semana, além de homenagens a George Floyd, também foram lembradas vítimas como João Pedro, de 14 anos – alvejado durante operação policial no complexo do Salgueiro, no município de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro – e Miguel Otávio, de cinco anos, que caiu do 9º andar de um prédio em Recife (PE). Filho de uma empregada doméstica, o menino foi deixado pela patroa da mãe, sozinho dentro de um elevador. A patroa, Sarí Mariana Corte Real, esposa do prefeito de Tamanadaré (PE), foi autuada por homicídio culposo – quando não há intenção de matar –  e liberada após pagar fiança no valor de R$ 20 mil.

A manifestação com participação em peso de personalidades do esporte, seja pelas ruas ou nas redes sociais, chamou atenção positivamente do presidente da Ponte Preta. “Isso rompe a barreira de que, no futebol, não se poderia discutir temas que envolvam o conjunto da sociedade brasileira. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. Temos muitos Joões Pedros e Georges Floyds por aqui”, destacou Tiãozinho, que enfatizou a participação, em especial, de atletas negros na campanha contra a discriminação e a violência racial.

“Muitos atletas, às vezes, até pela posição econômica que ocupam, não se veem nessa condição. Alguns só foram se identificar a partir das experiências na Europa, que deixou muito evidenciado que a questão econômica é importante, mas quando se trata de espaços de pertencimento, a questão racial continua sendo uma barreira. É preciso que alguns desses atletas também saiam nas janelas para gritar contra o racismo. O silêncio, nesse momento, significa cumplicidade ou omissão”, concluiu.

*Atualizado às 21h23 para correção do nome do jogador Djalma Santos.

Edição: Cláudia Soares Rodrigues

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