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Com mais de 53 mil casos confirmados e 3,4 mil mortes até esta terça-feira (2), a pandemia de covid-19 tem escancarado um problema estrutural no Ceará que vai além do colapso na saúde: a falta de saneamento básico. No estado em que mais de 6,5 milhões de habitantes não têm coleta de esgoto e 3,6 milhões sequer têm água potável na torneira, a recomendação de lavar as mãos para se proteger da doença se torna um desafio diário. Os dados são do Painel Saneamento Brasil.

Enquanto a tendência identificada pela Fiocruz é que o vírus avance em cidades do interior, como Tururu, Umirim e General Sampaio, a situação nos grandes centros também preocupa. Na região metropolitana de Fortaleza, epicentro da doença e onde vivem quase quatro milhões de cearenses, 90% da população está mais exposta à covid-19 por não ter rede coletora de esgoto nem água encanada. Realidade que, segundo o presidente do Trata Brasil, Édison Carlos, é ainda mais perigosa para quem mora nas periferias. 

“Como é que essas pessoas podem se higienizar, em um momento de pandemia, se elas não têm água? Muitas usam água de poço, de cacimba, de cachoeira, de rio. Além de não se higienizar contra o coronavírus, elas podem adquirir outras doenças que são tradicionalmente transmitidas pelo esgoto doméstico”, lembra. 

Bem próximo à capital, essas práticas são comuns. Isso porque, no caso de Caucaia, por exemplo, o abastecimento regular de água não chega ao domicílio de mais de 146 mil pessoas e apenas 38,3% dos resíduos sanitários passam por tratamento. Os indicadores fazem do município o 10º com menor cobertura de esgoto no país, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). 

Para o presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares Neto, a solução do problema é ampliar os investimentos no setor, o que ajudaria a diminuir a pressão no sistema público de saúde, com menos pessoas doentes em virtude da prestação inadequada desses serviços essenciais.

“Para a pessoa que vive em um bairro sem esgoto, não interessa se ela é 1%, 10% ou 20% da população. É um cidadão ou uma comunidade de cidadãos que não está atendida pelos serviços”, ressalta. 

Apesar dos dados oficiais mostrarem um quadro crítico no estado, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) garante que, atualmente, mais de 98% da população é atendida com água tratada e 46% com rede de esgoto. No plano de investimentos, a estatal prevê aplicar, até 2023, R$ 1,2 bilhão em saneamento básico nos 152 municípios que atende.

Desse total, segundo a Cagece, cerca de R$ 530 milhões serão investidos na execução de novas obras de melhoria e ampliação dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Outros R$ 710 milhões estão previstos para serem aplicados em melhorias operacionais dos sistemas já existentes, nas estações de tratamento de água e esgoto e na aquisição de materiais e novos equipamentos.

No fim do ano passado, a companhia aprovou abertura de capital para ter ações negociadas na bolsa e promoveu mudanças em sua política tarifária em Fortaleza, agora entregue à Agência Reguladora do Ceará (Arce), e não mais à prefeitura. Dados divulgados pela Arce indicam que o número de reclamações sobre serviços de saneamento nos três primeiros meses do ano manteve-se na média, sendo as mais comuns falta de água ou baixa pressão, cobrança indevida, fuga/extravasamento de esgoto em via pública, vazamento na ligação predial/rede de água e pedido de ligação de água. 

PL 4.162/2019

No Congresso Nacional, os senadores tentam trazer novo fôlego ao setor e podem votar, já em junho, o Projeto de Lei 4.162/2019. Um dos pontos do texto determina que a Agência Nacional de Águas (ANA) passe a emitir normas de referência e padrões de qualidade para os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, gestão do lixo urbano e drenagem de águas pluviais.

Baseado na concorrência entre companhias públicas e privadas, o novo marco legal prevê que os contratos de saneamento sejam firmados por meio de licitações, facilitando a criação de parcerias público-privadas (PPPs). Ainda de acordo com a proposta, a privatização dos serviços de saneamento não se torna obrigatória, apenas garante a oferta mais vantajosa para o setor, por meio de concorrência. Dessa forma, as empresas estatais podem ser mantidas, livres para participarem das concorrências, desde que se mostrem mais eficientes que as empresas privadas que participarem da licitação.

“Isso [abertura do setor] é importante por conta do déficit que a gente vive. Os recursos públicos para investimento em saneamento são cada vez mais escassos. Com isso, há a necessidade de atrair investimentos privados para o setor”, analisa a pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV/CERI) Juliana Smirdele.

Para melhorar os índices de cobertura no interior dos estados – locais que mais sofrem com falta de serviços de saneamento, a nova lei possibilita a criação de blocos de municípios. Com isso, duas ou mais cidades passariam a ser atendidas, de forma coletiva, por uma mesma empresa. Entre os critérios que poderão ser utilizados, está a localidade, ou seja, se dois ou mais municípios são de uma mesma bacia hidrográfica, por exemplo.
 

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